Ao Som da Chuva

Janeiro 29 2008

Hoje vou deixar um post mais sério...

É parte de uma reflexão que elaborei no segundo ano do curso para a cadeira de psicologia... é um tema que mexe comigo, pois também eu perdi um irmã quando tinha quase cinco anos e é um acontecimento que ainda hoje está presente no meu dia-a-dia. marcou a minha vida e decidi estudar os "comportamentos" de crianças que perderam irmãos... é uma reflexão relativamente curta, mas talvez aborrecida para quem a pretenda ler na totalidade... enfim... hoje decidi partilhá-la convosco...

 

Vocês dizem:

É cansativo estar com crianças.

E não há dúvida que têm razão.

Depois acrescentam:

Porque temos de nos pôr ao nível delas,

Porque temos de nos baixar, inclinar,

Curvar, tornar pequenos.

Mas aí vocês estão enganados.

O que mais cansa não é isso,

O que mais cansa é sermos obrigados a

Elevarmo-nos até à altura dos seus sentimentos.

Esticarmo-nos, alongarmo-nos, a ficar nos bicos de pés.

Para não as magoar.

Janusz Korszak  

 

 

E não é verdade esta citação? E não dirá ela precisamente o que muitos de nós ainda não compreendeu? As crianças são um ser mágico e superior, ao qual temos de tentar chegar e compreender. Surgiu a idéia de explicar como se sentem as crianças quando falece o seu irmão, e como muitas vezes é insuficiente a ajuda que os educadores dão a estas crianças, possivelmente porque não se sentem à vontade com o tema, porque não sabem como ajudar ou simplesmente porque acham que uma criança por ser pequena de mais não sofre com a morte de um familiar próximo e que depressa se esquecerá do assunto.

Na verdade a partir dos quatro anos a criança começa a fazer um trabalho de luto quase idêntico ao dos adultos pois nesta altura ela já se encontra individualizada e já concebe a morte como uma separação definitiva, ela sabe que nunca mais voltará a estar com o irmão.

O impacto deste acontecimento trágico dependerá muita da forma como os pais elaboram o luto pelo seu filho perdido. Se os pais desenvolvem um luto patológico, se não se resignam com a perda de um filho ou se demoram a fazê-lo, os restantes filhos podem sentir-se abandonados e frustrados, na medida em que sentem que não conseguem ser tão bons ou competentes quanto aquele que faleceu, que não conseguem nem nunca conseguirão substituir o irmão nos corações dos pais e que estes nunca gostarão deles como gostaram do seu irmão.

Assim mesmo que a morte ocorra precocemente na vida de um irmão os traços desse acontecimento serão sempre indeléveis, prevalecerão para sempre na maneira de agir do irmão sobrevivente.

Após a morte do seu irmão, os irmãos sobreviventes sentem culpabilidade e remorsos pois qualquer criança em algum momento da sua vida deseja ser filho único, deseja que o irmão desapareça, sentem-se por isso arrependidos e culpados pela morte como se esta fosse fruto dos seus desejos.

Existem aqueles que se castigam a si próprios desejando a sua morte que julgam merecida por outrora terem feito mal (ou simplesmente desejado faze-lo) ao irmão morto.

Outros ainda experimentam um sentimento de mediocridade e perguntam-se porque não morreram eles em vez do seu irmão? Na maior parte dos casos esta desvalorização é suscitada pela própria atitude dos pais. Que abatidos pelo desgosto e profundamente obcecados pela morte do filho não dão tanta atenção ao filho sobrevivente que se sente rejeitado e inútil.

E a morte de um irmão fará perder só este irmão? Não, a morte de um irmão fá-lo perder não só o irmão como também os pais de outrora e a atenção que estes lhe dispensavam. Faz perder não só o amigo de brincadeiras (se não existir grande diferenças de idades) como também muito do amor dos pais, não é que estes deixem de gostar dos filhos sobreviventes mas ficam tão absortos na morte do filho que se esquecem por vezes daqueles que ainda sobrevivem.

Podemos dizer que o modo como cada um dos irmãos sobreviventes enfrenta a morte do irmão depende da forma como os seus pais pontuam este acontecimento. Mas também da sua própria personalidade, em especial da sua maior ou menor vulnerabilidade às perdas.

Quanto mais cedo acontecer a morte de uma criança mais possibilidade há de ela ficar na história da família como um ídolo difícil de irmanar pelos outros irmãos. Principalmente porque não teve tempo para decepcionar, isto porque os pais sofrem as maiores desilusões com os filhos quando estes se encontram na adolescência, na altura da rebeldia de regras, com os filhos ainda pequenos os pais ainda vivem um período despreocupado, sem problemas. O irmão morto é sempre uma espécie de irmão-fantasma, pois é para sempre lembrado e comparado com o irmão sobrevivente (“o teu irmão nunca faria uma coisa dessas”, “era um anjinho”) pelos pais e restantes familiares.

Se a fratria é de dois irmãos, o irmão que sobrevive torna-se filho único o que modificará radicalmente o seu estatuto na família. Se for o mais novo o sobrevivente, vê-se privado do seu professor, de um segundo pai que o ajuda, que é generoso para com ele, se for o mais velho o irmão sobrevivente perderá aquela criança que o adora, lisonjeia, e tenta seguir os seus passos, a sua maneira de ser, de vestir e de falar. Quando um dos irmãos morre, o sobrevivente perde todos os benefícios de ter um irmão, a forma de comunicar sem palavras que eles tinham desenvolvido entre si (a sua linguagem secreta) desaparece e deixa de poder ser utilizada.

Torna-se claro que qualquer mudança na fratria gera estresse e crise, normalmente passageira pois obriga a modificar o comportamento que terá de ser diferente daquele a que estavam habituados a ter e que correspondia às suas afinidades mais profundas.

Muitas vezes surge a depressão na criança, a depressão pode ocorrer em bebés, crianças ou adolescentes e caracteriza-se por um conjunto de sintomas que devem estar presente no mínimo durante duas semanas:

São eles o humor depressivo (quando a criança está irritável em vez de triste), a diminuição clara do interesse ou prazer em quase todas as actividades da maior parte do dia, perda ou aumento de peso significativas, insónia ou hipersonia quase todos os dias, agitação ou inibição psicomotora quase todos os dias, fadiga ou perda de energia quase todos os dias, sentimentos de desvalorização ou culpa excessiva ou inapropriada, diminuição da capacidade de pensamento, concentração ou indecisão, e por fim pensamentos recorrentes acerca da morte, ideias suicida, tentativa de suicido ou plano especifico para cometer suicídio.

Este tipo de depressão surge após um factor precipitante com valor de perda ou de luto como por exemplo: divórcio dos pais, falecimento dum pai, irmão ou avó. Pode ainda acontecer perante o desaparecimento dum animal de estimação, mudança de residência, perda de um amigo ou mesmo presença de um acontecimento trágico. A televisão, por vezes, transmite notícias de tal modo repetidas e traumáticas em casos referentes à morte súbita e acidentes graves de viação, muitas crianças quando confrontadas com tais imagens, reactivam perdas e lutos passados.

Os adultos têm tendência a só valorizar as causas que para eles fazem sentido e esquecem que nalguns casos o significado duma perda para uma criança é completamente diferente daquele que o adulto lhe atribui.

E perder um irmão terá apenas o lado mau? É evidente que todos estes desarranjos na estrutura familiar não têm apenas o lado mau, na maior parte das vezes provoca um crescimento ou amadurecimento dos restantes irmãos que se vêem obrigados a alterar os seus papeis dentro da estrutura familiar e a tornarem-se crianças modelo para não perturbarem ainda mais os pais.

Na minha opinião os Educadores têm um papel preponderante na ajuda da criança sobrevivente a ultrapassar os sentimentos negativos que esta tem à flor da pele, o educador poderá ter um lugar activo ajudando a enfrentar os seus medos, mostrando-se aberto para responder a todas as dúvidas e perguntas que a criança acaba por não fazer aos seus pais com medo de os magoar. Esta criança precisará não apenas de momentos de diversão junto dos colegas e amigos como também momentos individuais onde se encontra só com os seus pensamentos ou onde toda a atenção seja dispensada para si uma vez que em casa isto não acontece. Por vezes os pais encontram-se tão desanimados e centrados na morte do seu filho que “esquecem” do sobrevivente, não lhe dão a atenção e amor necessários nesta fase da sua vida, sendo a criança obrigada a procurar esse amor e atenção noutros adultos que não os pais, tais como outros familiares (tios, avós, irmãos mais velhos) e educadores.

 

DN

2005/2006

 

publicado por DN às 00:22

E eu o que faço? Perdi o meu irmão em Março deste ano, nas vésperas de fazer 38 anos eu tenho 39 e sinto-me desolada.
Natercia Fernandes a 16 de Setembro de 2010 às 13:50

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